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#2 Betagem


Sua cabeça estava encostada contra o vidro frio. Era um apoio para que ela não dormisse ali mesmo, em um ônibus lotado. Embora negasse a si mesma, os olhos fechados a faziam ter um pré-sono e ela contentava-se com somente aquilo no momento.
Algo em seu redor chacoalhou e no mesmo instante ela abriu os olhos, percebendo que ainda estava no ônibus. Uma senhora com duas sacolas, aparentando estarem pesadas em suas mãos, olhava para Rose parecendo irritada. Ela sorriu para a mulher, mas a careta da senhora continuou irredutível. Ela olhou ao redor, percebendo que já havia passado do ponto em que deveria descer.
- Droga. – praguejou se levantando do banco e dando sinal para o motorista parar. Olhou para a velha – A senhora pode se sentar. As pessoas deste ônibus – levantou um pouco o tom de voz ao olhar para um adolescente sentado próximo a porta com um olhar despreocupado – deveriam ser mais compreensivas e cederem o lugar.
O ônibus parou e Rose saiu dele. Retirou o papel do bolso já amassado por tantas vezes que olhara pedindo informações de como chegaria ao local desejado. Ela leu o nome da rua em um poste, verificando se era o mesmo que procurava e soltou um suspiro de insatisfação ao perceber que não.
-Não durma na próxima, Rose. – falou baixinho para si mesma. Caminhou até uma banca de jornal e sorriu para um menino que lá estava. Ele tinha um cabelo preto espetado e expressivos olhos negros.
- Com licença, como eu faço para chegar ao Hospital Santa Lucy? – perguntou com o nome já gravado.
O garoto a olhou antes de responder. Os olhos se demoraram no jaleco branco que estava dobrado abaixo da alça de sua bolsa.
- Você está um pouco longe, duas quadras na verdade. – ele respondeu sorrindo para ela. – Está vendo o prédio azul com a grande antena? Vá até ele, e depois caminhe em linha reta por duas esquinas, vire a direita e prossiga. Creio que chegará lá sem nenhum problema. – falou e sorriu novamente quando notou a cara de preguiça e sono da mulher – Você é médica? – perguntou, mas não a deu tempo de responder – Eu pensei que médicos tivessem seu próprio carro.
- Não. – ela negou, não sorrindo mais. – Enfermeira, mas eu estou aqui para trabalhar no Hospital. Vou ajudar em um… – ela parou quando percebeu que dava informações demais para uma criança que nunca havia visto na vida. – Bem, eu vou trabalhar lá. – o garoto sorriu e estendeu a mão.
- Sou Paul, se quiser, eu lhe levo até lá. Assim posso impedir que você caia de sono por aí.
- Não estou com sono! – falou um pouco rude e demonstrando certeza. Ela era uma excelente mentirosa. Lembrou-se de sua cama em seu apertado apartamento. Seus travesseiros, em sua cabeça, chamavam por ela naquele exato momento.
- Certo, então acho melhor limpar a baba. – falou apontando para o lado de sua bochecha e Rose no instante seguinte levou a mão lá, percebendo que não havia nada. O garoto riu. – Se fosse verdade nem ao menos teria conferido. – colocou as bananas que segurava em cima de uma banca e fez alguns sinais para uma mulher que ali estava, e em seguida virou-se para Rose. – Ela é surda e muda – explicou e tirou o avental. –, mas sabe contar dinheiro como ninguém. Venha, vamos, Quanto antes lá chegarmos, melhor. Soube que após o Tsunami estão precisando de novos médicos.
- Não sou médica. – Rose falou, sabendo que de nada adiantaria rebater e recusar a presença do menino que já andava a sua frente, cumprimentando a maioria das pessoas que via pela frente.
Enquanto o garoto a acompanhava, fazia perguntas para Rose e a mesma respondia com o que lhe era permitido revelar. Ela, por sua vez, descobriu que o garoto era russo, e que tinha um irmão internado no hospital em que iria trabalhar pelos próximos meses, mas não fez perguntas quando percebeu que o menino não se portava bem com o assunto.
- Chegamos. – anunciou, olhando para o enorme prédio que se erguia na frente deles. Um chafariz com uma estátua do lado chamou a atenção. A estátua era de uma mulher com as mãos sobre o coração e um manto em sua cabeça, lhe cobrindo os olhos. – É a Santa Lucy, todos aqui a amam. Minha bisavó diz que é porque ela é cega e as pessoas têm pena dela. – ele olhou ao redor e fez um sinal para que Rose se abaixasse, e quando ela o fez parecendo curiosa, o garoto lhe revelou – Ela me disse que não acredita que Lucy tenha feito algum milagre ou que vá fazer. – ele aumentou o tom de voz – Você acredita em milagres, Rose?
A resposta veio rápida.
- Se acreditasse que milagres existissem não teria virado médica.
- Mas você dis…
- Eu vou ser, algum dia. – falou corrigindo e ainda admirando a bela estátua. Suspirou pensando na fé que algumas pessoas tinham depois de passarem por vários problemas na vida.
- Obrigada Paul – falou sorrindo para o menino – Você foi muito gentil em me trazer aqui.
- Pode me agradecer daqui alguns anos. – ele disse abrindo um enorme sorriso e pegando a mão de Rose, em seguida a beijando e saindo dali.
Rose sorriu para as costas do menino e balançou a cabeça, caminhando rumo a entrada do hospital. Não fazia ideia do que lhe esperava ali.
Havia acabado de se formar em enfermagem. Lembrava-se do sorriso orgulhoso de seu pai, e do olhar reprovador de sua mãe. Ela queria bem mais para Rose. Medicina. Uma cirurgiã, com toda a certeza. Mas ela não se sentia pronta ainda.
Seu pai tentou lhe arranjar um bom emprego em New York, mas ela relutou. Assim como recusou o carro do ano e um apartamento de frente para o mar. Queria começar sua vida sozinha, sabendo que não era graças ao seu pai que havia se tornado a pediatra mais bem sucedida dos EUA, quiçá do mundo. Pediatria era seu sonho, não o de seus pais.
Ela sabia que seria difícil até lá, precisaria de estágios em enfermaria para aprender mais sobre o assunto e era por isso que estava ali. Havia aceitado ser enfermeira e ajudar em um caso particular naquele hospital. Um caso tão particular, que nem ela mesma sabia o que estava acontecendo.

[...]
- Esta é a roupa que você deve usar. Não pode sair daqui com ela, vá até o seu armário e o deixe lá. Cartão de identificação. – falou colocando ao redor do pescoço da morena que já tinha as mãos ocupadas. – Você só poderá ver o paciente usando isso. Cabelos presos e luvas nas mãos. Não toque em nada que há em seu quarto. Use uma máscara quando estiver perto de mais. – enquanto a médica lhe orientava Rose assentia a cada nova especificação. – E, sobretudo, senhorita Hathaway, não fale sobre isso com ninguém. Acho que a senhora entende a gravidade do que estamos lidando aqui. – ela falou com um tom de voz duro o que fez Rose se sentir uma criança.
- Eu não irei. – falou concordando.
- Eu sei que não irá. – ela piscou. Seu crachá dizia Diretora e em cima seu nome Alberta Petrova eram o suficiente para que Rose não lhe contestasse, embora achasse tudo aquilo um exagero para tratar de um simples paciente.
A mulher deixou que Rose se trocasse, vestindo a roupa indicada feita de polipropileno e colocando o jaleco do hospital por cima. Olhou-se no espelho brevemente, sorrindo enquanto olhava para a insígnia do hospital. Suspirou feliz e saiu dali, seguindo Alberta para onde o paciente que Rose ajudaria a cuidar estava sendo tratado naquele momento.
Quando lá chegaram, Rose ficou fascinada por todo o aparato que tinham. Ela estava em uma sala com um enorme vidro que a separa de outra pequena sala. Por ali, ela pode ver um homem deitado em uma cama, enquanto outras pessoas vestidas como ela estavam ao seu redor com pranchetas e conversando entre si. Se não pudesse ver o homem deitado à cama naquele exato momento, teria dito que não havia ninguém ali pela tamanha indiferença com que os outros conversavam.
- Aquele é Dimitri Belikov. – uma mulher com quase a mesma idade que Rose falou. – E eu sou Annabeth, mas me chame apenas de Beth. – ela sorriu para Rose que voltou seus olhos para o vidro após sorrir singelamente para a mulher – Ele está aqui há quase um ano e sempre fazemos exames semanais nele.
- O que ele tem? – Rose perguntou. Pode notar que Alberta havia se juntado ao outro grupo de médicos que estavam do outro lado do vidro.
- Não sabemos ainda, por isso os exames. Ele sempre parece forte como um toro nos exames sanguíneos, mas então, ele grita de dor de cabeça todas as noites. Vomita praticamente todos os dias e quase não tem mais forças. – explicou olhando infeliz para o homem que permanecia deitado de costas. Beth tocou o vidro deixando sua mão espalmada sobre ele. – Eu conheci Dimitri antes de tudo isso começar. Ele era feliz, gentil, e muito lindo, ele ainda é lindo, mas acho que tudo isso mexeu com ele. Nunca mais o vi sorrindo. Sempre parece como se estivesse… morto.
Rose sentiu um arrepio percorrer seu corpo quando ouviu o que a mulher dissera.
Dois homens saíram da sala e se aproximarem de Beth e Rose.
- Você deve ser a garota que veio para ajudar. Muito assustada? – um senhor perguntou olhando para Rose.
- Não senhor…
- Me chame de Darnel, – apontou para o outro médico, este parecia ser bem mais jovem do que o outro. – e este é August.
A menina apertou as mãos de ambos sem poder sentir o calor do toque. Malditas luvas de látex, pensou.
- Ela não está assustada. – Beth disse, sorrindo para August – Ainda não sabe sobre toda a história.
- Pois bem, eu lhe coloco por dentro. – Darnel falou olhando para Dimitri também, tão imóvel quanto a estátua que Rose vira na entrada do hospital. – Ele é um homem de 26 anos com a saúde de um touro que irá morrer em dois meses, no máximo.
- Darnel! – August repreendeu e olhou para Rose. – Não ligue para o pessimismo dele. Dimitri tem uma doença que não conhecemos. Antes pensamos ser um tumor, mas não vimos nada nos exames. Em seguida, pedimos exames de sangue para toda a sua família, pensando que talvez fosse uma doença genética, estávamos completamente enganados. Nunca vimos alguém como ele. Tem tudo para ser tão saudável quanto poderia ser, mas é como se tivesse um coração de um velho de 90 anos. – August cruzou os braços nas costas e avaliou Dimitri – Nunca seremos capazes de saber o que ele tem. – falou parecendo triste com aquilo. – E ele poderia ser um avanço para a medicina. Já imaginaram se futuramente outros como ele aparecerem? Como vamos lidar?
- Exatamente como fazemos agora. Com exames. – Darnel falou – Por mais que tentemos, não há explicação.
- Se não há explicação, – Rose falou sentindo-se com pena do homem por tudo o que haviam lhe dito. – Por que disse que ele morrerá em tão pouco tempo?
- Ele não come muito, Rose. A respiração falha sempre e o coração parou de bater 55 vezes mês passado. Não sabemos até quando seu corpo aguentará passar por tudo isso.
- E não há uma forma de estudar sua doença mais a fundo?
- Sim. – August disse e Rose se encheu de esperança sem saber ao certo o motivo daquilo. – Abrindo sua cabeça. É de lá que vem o problema. É tudo o que sabemos. Mas se fizéssemos uma cirurgia para saber o problema, ele poderia ser rapidamente solucionado. – seus olhos brilharam com expectativa – Mas isso é algo muito perigoso. Não podemos arriscar sua vida.
- Claro que não, porque matá-lo em uma semana quando ele morrerá em pouco mais que isso sem que façamos nada? – Darnel disse e Rose o entendeu. Ele era a favor de tentar 'salvar' o homem. Na verdade, Rose sabia que todos eles ali queriam saber o que tinha de errado com ele. Seria um grande avanço. Como poderia existir uma doença que ninguém nunca havia ouvido falar? Uma doença sem explicações?
- Não é tudo tão simples assim. – Alberta falou voltando a sala – E obrigada por não terem dito todos os detalhes, eu prefiro que Rose os descubra por si só. Venha comigo, senhorita.
- Rose deixou o trio ali e seguiu a mulher, atravessando uma porta que dava do outro lado do espelho, onde lá, ela pode notar que quem estava dentro, nada via do que se passava do outro lado.
- Dimitri – Alberta chamou e o homem permaneceu imóvel – Está é Rosemarie Hathaway, ela será sua nova enfermeira. Ajudará com banhos, comida, roupas e no que precisar.
Rose viu os outros médicos que permaneceram ali se retirarem, parecendo terem terminado o serviço.
- Eu gostaria de um banho agora. – o homem falou pela primeira vez. Sua voz baixa e rouca não passava de um sussurro fraco e quase inaudível.
- Claro. – Rose falou. Não sentiu incômodo com aquilo. Na faculdade, passou por situações tão constrangedoras que dar banho em um homem pouco mais velho que ela não era nada.
- Rose, quando terminar venha até minha sala, sim? – Aberta falou saindo dali sem esperar resposta.
A menina respirou fundo e caminhou para mais perto da cama em que o homem permanecia deitado. Percebeu o cabelo marrom jogado no travesseiro enquanto o resto lhe cobria o rosto. Ele parecia um pouco alto, Rose avaliou pelo tamanho que ele ocupava na cama.
- Venha, eu vou lhe ajudar a se levantar. – no instante em que tocou os ombros do homem com a intenção de lhe oferecer apoio o mesmo se virou para ela, segurando seu pulso com demasiada força para quem estava em sua situação médica.
- Não toque em mim! Você não fará de mim seu experimento como eles! – Dimitri praticamente rugiu ainda lhe segurando o pulso.
- Desculpe, eu não quis…
- Eu sei que não quis. Vocês nunca querem nada, apenas me furar e fazer mais exames que de nada me valem! – os olhos em um tom escuro que beirava o preto percorreram a moça. – Você é uma médica recém-formada que está procurando uma forma de subir na vida e pensa que "O Curioso caso de Dimitri Belikov” pode ajudar nisso. Nojento. – falou entre dentes.
- Não senhor. – Rose falou, não sentindo mais apatia pelo homem. – Eu sou enfermeira e não pretendo lhe usar para fazer algo com minha carreira. – o tom decidido pareceu surpreender Dimitri que a soltou um pouco depois.
- Você é nova demais para estar no meio desses sanguessugas. – falou se levantando da cama e se apoiando em Rose. O gesto era tão comum para Dimitri que o mesmo não conseguia mais se sentir humilhado – Vai acabar ficando como eles. Todos os dias vêm aqui para me falarem sobre como eu venho apresentando melhoras quando sei que estou definhando a cada dia. Patético. – após dizer isso ele disse mais outra coisa que pareceu como um palavrão para Rose. Ela captou o idioma, se lembrando de uma lição na escola que vira sua melhor amiga fazer. Russo. Ele era russo. O que explicava o nome estranho.
- Eu só quero lhe ajudar. – ela sorriu, tentando ser agradável enquanto o ajudava a chegar até o banheiro. Notou sua roupa de hospital que consistia em uma calça de algodão e uma blusa fina. Um horrível conjunto azul. O cabelo castanho estava caído no rosto, batendo até o queixo onde tinha uma barba em um tamanho razoável. Os olhos pretos expressivos.
- Eu não gosto de você, americana. – falou a olhando com revolta. – E sei que vai odiar cuidar de mim como se fosse uma criança, então não aja como se gostasse de mim e eu farei o favor de tentar não ser muito rude.
Rose engoliu em seco e reprimiu a voz do pai dizendo que lhe daria um carro se permanecesse com eles. Ela alcançaria seus objetivos. Se acostumaria com Dimitri, afinal, quantos outros pacientes como ele deveriam existir? Crianças poderiam ser ainda mais impertinentes…

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Oooi, desculpe a demora, espero que tenha ajudado. Reveja a frase em destaque e a associe corretamente ao tempo; ela já é ou se tornará uma pediatra? Poderia me mandar o link se sua história? Me interessei por ela. Obrigada por escolher o VMC Fanfics.

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